heavens_gate-350x533Sabe quando um diretor faz o filme certo na hora certa? Esse é o caso de Michael Cimino e seu multipremiado O Franco Atirador (The deer hunter, 1978), com o qual ele ganhou passe verde-milhões para fazer qualquer coisa.

E lá vem ele com um épico de mais de três horas sobre mais um dos erros históricos estadunidenses, o Massacre de Johnson County, quando fazendeiros do Wyoming se unem para exterminar migrantes eslavos que estariam roubando gado – forjando uma lista com 125 nomes a serem executados por mercenários contratados com o consentimento presidencial. E mais, um faroeste quando ninguém mais o fazia.

O lucro não existiu. Dos mais de 40 milhões investidos, nem três chegou a render. Isso mesmo depois de ter sido encurtado pelo próprio Cimino, quando esse recebeu uma enxurrada de críticas. O filme foi lançado apressadamente com 219 minutos, mas querendo concorrer ao Oscar daquele ano foi logo encurtado até 149. Nada adiantou.

Se você procurar bem, bem mesmo, nunca vai encontrar ele em VHS no Brasil, pois não foi lançado. Em Blue Ray existe a cópia importada. É o que tem para o gasto. Na televisão você vai conseguir ver em algum telecine da vida, o que já não é tão difícil.

Recentemente ele foi relançado no Festival de Veneza, com a presença de um irreconhecível Michael Cimino – os boatos que ele realizou uma mudança de sexo circulavam, mas ele negava – e agora com uma espécie de filme maldito clássico. Ou então, obra-prima tardiamente reconhecida.

Que nada. Continua sendo o mesmo filme cheio de buracos e pretensão. Para ficar mais claro, fiz uma espécie de relatório de cada hora de película, ou quase isso.

(00:00:00 até 01:18:04) Tudo é grandioso. Não existe cena “pequena”, não existe close-up. O discurso de abertura de um mumificado Joseph Cotten só não é mais exagerado do que o nunca-antes-tão-afetado John Hurt. Ele abre o filme, com um discurso de formatura, mostrando o que parece vir adiante: a grandiloquência.

E isso se refere não só ao visual, em que tudo é grandioso, mas também ao roteiro. A história ganha um excesso de “história interna” que faz com que cada cena precise ter uns 15 minutos para “se explicar”.

Cada cenário, situação, personagem, ganha profundidade pelo fator exaustão. Explora-se ao máximo a sequência, até o ponto que o espectador, supostamente, deve já ter captado tudo o que se passa. Tudo é lento para você, espectador, se conectar com o contexto.

Até certo ponto funciona, pois os visuais são bacanas. Até certo ponto dura coisa de 10 minutos.

Devidamente contextualizados, entendemos do que a história se trata e as motivações em jogo. Kris Kristofferson é o herói incorruptível, Christopher Walken aparece em pouco mais de uma sequência e já ganha toda pecha de vilão, Isabelle Huppert é o interesse romântico e a morte de 125 eslavos é o conflito disparador entre o bem e o mal.

A questão que fica é: que sentido tem a longa sequência inicial de formatura dos amigos interpretados por Kris e John Hurt? É para traçar um perfil? É para criar uma ambientação histórica com a amizade deles e seus princípios morais? Ou foi só para mostrar o quanto é bacana juntar um monte de figurantes e fazer uma cena grandiosa de início, só para impressionar mesmo?

(1:18:04 até 2:12:45)

O foco agora é o enlace amoroso a ser resolvido nessa segunda etapa. O triângulo formado entre Jim (Kris), Ella (Huppert) e Nathan (Walken) ganha todo o destaque. E ele se faz da maneira convencional, a mocinha tendo que escolher entre o bom que nunca lhe fez uma oferta de casamento séria, ou demonstrou querer isso, e o mau que fica delicado e cheio de sentimentos perto da mocinha, além de claro, ter a coragem de lhe pedir em casamento.

Está feito o conflito. É isso que temos para esse trecho.

Tem também o conflito entre os fazendeiros locais e os migrantes russos da região. E nisso a lista de 125 nomes a serem mortos pelos perversos fazendeiros do Wyoming – mortes autorizadas pelo governo estadunidense.

Nesse ínterim personagens sumidos ressurgem, e outros aparecem sem explicação alguma ou sentido dentro da trama. É assim que Sam Waterston volta com seu vilão caricato, Brad Dourif surge em cenas que visivelmente foram cortadas, e com isso picotando seus possíveis diálogos. Até Mickey Rourke – que ainda faria mais dois trabalhos com Cimino – ganha uma ponta nesses idos de 1980 em que ascendia como galã.

Porém, o melhor é a entrada em cena de Jeff Bridges, que quase rouba tudo para ele. Ali tem carisma, ali tem um protagonista nato. Kris Kristofferson some em cada olhar de Bridges e é colocado naquele lugar que sempre viveu: o cantor que gosta de atuar vez ou outra.

Dúvida: a longa sequência de dança era só para mostrar T –Bone Burnet?

montagem-paisagens(2:12:45 até fim)

Esse é o momento em que as coisas deveriam acontecer com uma naturalidade que somente o fato de estar ambientado permitiria. Afinal de contas, é por isso que o filme possui toda essa duração, não é mesmo?!

Porém de nada adianta quando a história não exige essa ambientação. Assim, temos uma confusão nessa última fase do filme.

O que seria o vilão muda de posição, morre em menos de meia hora – de maneira não menos afetada por um muito maquiado Walken.

Isabelle Huppert se transforma em uma heroína guerreira como em momento nenhum da trama se prenunciava uma personalidade dessas.

Brad Dourif ganha uma fala de redenção para um personagem que nem existia até então – prova de que foi picotado na edição final.

Jeff Bridges some e perde a importância que tinha sido trabalhado anteriormente.

Kris Kristofferson prova que não possui carisma algum quando fica tempos sem aparecer e ninguém sente falta.

John Hurt consegue ganhar o troféu personagem desnecessário do ano de 1980.

Parece que tudo devia correr e nada precisava fazer muito sentido mesmo. Quando digo sentido é em relação a tudo que vinha sendo construído. Parece que algo é jogado fora e tentaram reiniciar a máquina do zero. No final das contas, o clímax quase não existe – a te porque o espectador já cansou de esperar há tempos…

Mesmo que aqui tudo pareça um erro, existe um certo capricho que faz tudo ficar menos ruim do que parece. E só.

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